quarta-feira, 26 de março de 2014

O Espelho Interno de Onze Lados


Eu sou o que eu quiser!

Mas...

No fundo, minha escolha é fruto das escolhas de outras pessoas que a mim tiveram de alguma forma. Que foram e, ao mesmo tempo ficaram. Minhas escolhas não são tão minhas. São resultados de emoções alheias vividas por um "nós", sem singular, sempre no plural. Eu sou um pouco do tudo de todos. Sou resultado de caminhos alheios, de vidas alheias, de histórias alheias. O que sou, o que me tornei, o que serei...

Nada é puramente meu. Nada me pertence. Eu sou tudo, eu sou o mundo... Eu sou você.

(Marcos Ubaldino)

terça-feira, 18 de março de 2014

Desilusão de um Arrependimento Insano


Logo cedo, pulou da cama, varou para cozinha e fez um café da manhã regado de açúcar e afeto. Enfeitou a borda da bandeja com uma foto dela e uma rosa vermelha. Tomou um banho límpido e pôs o melhor roupão. Penteou-se, perfumou-se e respirou fundo de felicidade, encorajando-se para a surpresa.

Subiu as escadas velozmente, num ritmo explosivo de alegria, abriu a porta do quarto com um sorriso que mal lhe cabia no rosto e, surpreso, com um ar choroso e os olhos marejados, avistou a cama vazia, preenchida apenas por saudade e lençóis brancos. Ela não estava lá.

Anestesiado de confusão e dor, derrubou a bandeja do café, manchando a foto e despetalando a rosa. Se jogou na cama, revirando os lençóis e enrolando-se na própria loucura. Acalmou-se, voltou à realidade e, chorando feito criança, deitou-se sussurrando o nome dela.

Ele morrera e não sabia, mas ela, ainda vivia dentro dele. Ela assassinava-o de saudade e ressuscitava-o de esperança, todos os dias. O ciclo era infinito. Ele morria e vivia, agonizando seu inferno de tê-la apenas em seus vãos pensamentos.

(Marcos Ubaldino)

quinta-feira, 13 de março de 2014

Verdade do Boêmio



No auge da tua reflexão, você compreende sem precisar aceitar.

Ele é assim mesmo, não tente pensar muito. Se contenta com um gole de cerveja, um tamborim e uma roda de amigos. Isso lhe basta para se achar feliz. Um pobre coitado... Espreme angústia até sair felicidade. Só precisa disso, este infeliz, pé rapado. Apenas exige que seu gole de cerveja venha de uma canela russa, que o tamborim cante a poesia de um Samba vivo e libertador, e que a roda de amigos exale alegria, choro e sorriso. Um vagabundo, um maldito Boêmio beberrão. Compreenda, ele é isso mesmo.

Ele não te traiu. Mesmo rabiscando o salão do boteco do Zezinho de tanto sambar com as partideiras, ele é fiel. Mesmo beijando Jurema e deitando-se com Damiana, ele é fiel. A canalhice é parte viva do que ele é por necessidade de ser feliz. O beijo de Jurema junto à quentura de Damiana, não chegam perto do mais distante pensamento em você.

O estandarte dele é você. Compreenda sem precisar aceitar que ele é isso por você. É o que o mantém vivo. Um pobre coitado que se limita aos sentimentos. Um malandro mais bobo que um palhaço, um mentiroso pior que criança, uma mentira mais verdadeira que a própria verdade. Pelo menos isso... Ele é o que é. A verdade é percebida no fundo de seu copo e confirmada no samba de seu pé.

Um infeliz mais feliz que pinto no lixo.

(Marcos Ubaldino)

sábado, 8 de março de 2014

O Doce do Menino


A loucura consentida pelo tesão da inconsequência não deixa de ser louca nem consequente. É uma explicação sem justificativa, é a liberdade de escolha acompanhada pela prisão do resultado. Porém, o momento brada mais alto que o preço a ser pago no carrasco futuro. É como se aqueles poucos segundos enlouquecedores fossem impagáveis, encorajando com força o pecado do pecador, ignorando o custo da cobrança inevitável.

Mas a realidade bate com força e não tem pena. A cobrança chega e você acaba por ficar no débito. A consequência da loucura tesuda custa caro e a coragem pecadora não é suficiente para pagar o preço.

No fim, resta apenas lamber-se as feridas dolorosas do arrependimento, saudar os enlouquecidos segundos de prazer, chorar o carrasco da dívida impagável e refletir a vida com a experiência que veio de troco.

(Marcos Ubaldino)

quinta-feira, 6 de março de 2014

A Perfeição de uma Utopia quase Real


Todos os amores são eternos. Mas quando o ideal é maior que a própria vida, o mesmo amor eterno, te abandona por reivindicar prioridade. O ideal se manifesta exigindo a mesma prioridade, e vence por ser maior que a própria vida. Não que o amor não seja maior que a vida, mas este, peca no egoísmo, no sentimento de posse e na abundância exagerada do coração. Enquanto que o ideal peca pelo altruísmo, pela liberdade e pela sagrada razão. Pena que os dois não caminhem juntos e não convivam em harmonia, o que leva à uma final em que apenas um saia "vencedor".

Mesmo assim, o amor continua eterno, enquanto o ideal, mesmo "vencedor", sente-se decerto infeliz, por faltar algo fundamental para sua filosofia ser perfeita. Enquanto isso, a vida vai tentando dar um jeito de ambos se completarem e serem felizes juntos, selando assim, a perfeição do sentimento.

(Marcos Ubaldino)

Rosa dos Ventos


No sul, deitada na cama e ouvindo Chico, ela admira angustiada o retrato dele. Ao norte, no sofá, ao som de Vinícius, ele venera o dela com profunda saudade. Sobram-se leste e oeste. Nordeste e sudeste.

A esperança é o centro, mas neste, existe um muro de orgulho burro, infantilidade, falsa independência, força frágil e felicidade aparente. Tudo de desnecessário que se usa para justificar distância. Como se fosse uma capa dura e pesada de um livro romântico, de páginas doces e leves. A distância prevalece enquanto o tempo passa.

Ela não sabe que, adorar a imagem dele, todas as noites, com lembranças saudosas e imaginações futuras, chorando de alegria e tristeza, não o trará de volta. Ele não sabe que, agarrar-se ao retrato dela, imaginando que poderia ser diferente, esperançoso que, cedo ou tarde, receberá uma ligação dela, não a trará de volta.

Destrua o muro do centro usando a raiva da distância. Crie uma ponte. Dois pontos, sul e norte, ela e ele. Vá direto, com impulso, sem olhar para os lados. Encontre ela. Tire novos retratos, venere os olhos dela, admire o abraço dele, sinta o cheiro, o gosto de vocês. Realize a imaginação e assassine a saudade. Que a força da saudade se transforme em calor na união dos corpos.

Quando a distância voltar, reconstruindo o muro central, fique triste, ouça Djavan e chore novamente, deitado na cama ou no sofá. Venere os novos retratos e relembre dos últimos momentos bons.

Aceite o ciclo, aceite o sofrimento. Ou então, construa uma ponte pelo nordeste.

(Marcos Ubaldino)

O Destino de uma Igualdade Estúpida


Então o homem com seu ego superior e macheza testosterônica, se impõe como macho Alpha da casa submetendo a mulher à um ser inferior, culturalmente falando. Ela, doce, atenciosa e carinhosa aceita tal rótulo, pois só quer também o carinho e a atenção de seu macho, culturalmente falando. Daí, ela se descobre traída e enganada pelo seu amado homem, que destruiu seu coração se deitando com uma "vagabunda da rua", culturalmente falando.

A mulher, traída e sem rumo decide erguer a cabeça, tocar a vida e seguir em frente. Jura pra si mesma nunca mais sofrer algo semelhante nas mãos de nenhum outro macho Alpha. Se torna independente e inconsequente. O macho Alpha que destruiu a relação por deitar-se com uma "vagabunda da rua", sente saudade mortal da esposa carinhosa mas, continua a trabalhar, a beber com os amigos, a ver seu futebol e a deitar-se com outras "vagabundas de rua", culturalmente falando.

A mulher, antes traída e sofrida, agora independente e inconsequente, faz coisas que antes não conhecia e se sente livre e feliz como nunca houvera antes. Começa a trabalhar, beber com as amigas, ver sua novela e a deitar-se com outros "machos Alpha". Com tudo, em casos, alguns desses "machos Alpha" tem esposas doces e carinhosas em casa, que só querem a doçura e atenção de seus "machos Alpha". Porém, ela não mais se importa, a liberdade inconsequente é maior que o zunido de uma consciência pesada pela traição alheia, culturalmente falando.

Portanto, a antes doce e carinhosa fêmea, que foi traída por uma "vagabunda da rua", que se tornou independente e vivente da vida, hoje, com a consciência sem peso algum, acaba por se transformar numa "vagabunda da rua". Mas ela não enxerga isso, pois seu ego feminista e inconsequente vendam seus olhos cheios de liberdade e felicidade. No fim, nem o macho Alpha e nem a esposa carinhosa "venceram" pela razão ou pelo perdão, a vitória é comemorada pela ironia e pela hipocrisia social. Culturalmente falando.

(Marcos Ubaldino)