segunda-feira, 9 de junho de 2014

O Homem que não tinha Coração


Ela disse que eu não tinha coração e foi embora. Mal sabe ela que eu já tive um, mas antes dela, já o tinham levado e até hoje não devolveram. Não sobrou nada. Ficou só essa ferida aqui mesmo... Ela foi embora, levou-me tudo, até a ferida do coração que não morava mais aqui. Só esqueceu a saudade na cabeceira da cama.

Saudade... 

O preto do arco-íris
O enlouquecer quieto
O açoite sem chibata
Um prato sem comida
Um violão sem corda
A Eterna Desventura de Vinícius
A Construção de Chico
A Minha de Cartola
A Tristeza Bonita de Candeia
O cotovelo do coração
A mãe da covardia
A marca de giz num quadro apagado
O amor que sobrou
O raio que cai onze vezes no mesmo lugar

... Ela se foi, vestida de azul, ela brigou comigo, virou-me as costas, bateu a porta e saiu. Levou-me tudo, só deixou saudade... Azul era minha cor preferida, até ela ir embora vestida lindamente dele... Odeio azul. Até meu gosto ele levou, só esqueceu a saudade mesmo. Mas eu tirei a saudade da cabeceira e guardei-a na ferida que se abriu no lugar da ferida que ela levou. Vou escrever uma carta dizendo que ela esqueceu isso aqui. Vou dizer pra ela vir matar essa saudade ou pelo menos, arrancá-la do meu peito e levá-la com ela. Sei lá, só não quero ficar com isso. Só assim para que a ferida aberta em cima da outra, tenha paz e talvez, consiga cicatrizar antes de abrirem outra. Enquanto isso, agonizo a abertura infinda da ferida, à espera da devolução do coração que me levaram, ou pelo menos, da ferida que morava aqui antes dessa.

(Marcos Ubaldino)

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